quarta-feira, 2 de maio de 2012

9. Eneida de Virgílio



não, não acostumeis vossos espíritos a tão grandes guer­ras; não volteis as forças sólidas da pátria contra as suas próprias entranhas! E tu, o primeiro, tu que tiras tua origem do Olimpo, poupa-a, lança fora da mão as armas, ó meu sangue!...

Aquele, vencedor de Corinto, conduzirá seu carro sobre as alturas triunfais do Capitólio, ilustre para sempre por causa do mas­sacre dos aqueus. Aqueloutro destruirá Argos e a Micenas de Agame­não e o próprio Eácida descendente de Aquiles poderoso pelas armas, vingando seus antepassados de Tróia e o templo ultrajado de Minerva. Quem poderia, ó grande Catão, ou tu, Cosso, vos não men­cionar? Quem poderia esqueçer a família dos Gracos, ou aqueles dois raios de guerra que foram os dois Cipióes, flagelo da Líbia, ou Fabrício, glorioso pelas suas pequenas posses, ou tu, Serrano, semeando teu campo? Fatigado, para onde me levas, Fábio? Tu, famoso Má­ximo, és o único que, sozinho, em temporizando, nos restabeleceste a república.

Outros saberão, com mais habilidade, abrir e animar o bron­ze, creio de boa mente, e tirar do mármore figuras vivas, melhor defenderão as causas e melhor descreverão com o compasso o movi­mento dos céus e marcarão o curso das constelações: tu, romano, lembra-te de governar os povos sob teu império. Estas serão tuas artes, impor condições de paz, poupar os vencidos e dominar os soberbos.”

Assim falou o pai Anquises; e ajuntou estas palavras para seus ouvintes maravilhados: “Olha como Marcelo avança, assinalado pelos despojos opimos, e como esse vencedor ultrapassa a todos os heróis! É ele que, na perturbação de um grande tumulto, manterá o poder romano, e, cavaleiro, aterrará os púnicos e o gaulês rebelde e suspenderá ao pai Quirino a terceira armadura arrebatada ao inimigo”.

E então Enéias o interrompe, pois ele via aproximar-se com Marcelo um jovem notável pela beleza e pelas armas replandecentes, mas com a fronte pouco alegre e com os olhos tristes e baixos: “Quem é, meu pai, aquele que acompanha assim o herói na sua marcha? É seu filho ou algum dos netos que descendem da sua gran­de estirpe? Que murmúrio lisonjeiro fazem os companheiros que o cercam! Que majestade a sua! Mas a noite sombria voa ao redor da sua cabeça com triste sombra”. Então o pai Anquises, derramando lágrimas, começa: “Ó meu filho, não procures conhecer o enorme luto dos teus. Aquele lá, os destinos o mostrarão somente à terra e não permitirão que ele exista por muito tempo. A raça romana vos pareceu muito poderosa, deuses do alto, se esses dons fossem durá­veis. Quão grandes gemidos de homens levantará aquele campo fa­moso, vizinho da grande cidade de Marte! E tu, deus do Tibre, que funerais verás quando correres diante da sua tumba recente! Nenhum filho da raça de Ilião jamais levará tão alto a esperança de seus antepassados latinos; jamais a terra de Rômulo se orgulhará tanto de um dos seus rebentos. Ai de mim! piedade! Ai de mim! antiga honra, direito que a guerra jamais venceu! Ninguém impunemente se teria oposto a ele quando, a pé, marchava contra o inimigo, ou quando picava com as esporas os flancos do cavalo espumante! Ai de mim! jovem digno de compaixão, pudesses tu romper os rigorosos destinos! Tu serás Marcelo. Lançai-lhe lírios a mancheias, que eu espalharei flores vermelhas, que eu encha, ao menos, com essas ofe­rendas a alma do meu neto, e me desobrigue de uma vã homenagem!”

E assim que eles erram aqui e acolá por toda a região, através dessas largas planícies nebulosas, e dirigem seus olhares para toda parte.

Depois que Anquises conduziu seu filho a todos os lugares e lhe acendeu o ânimo com o amor da fama que há de vir, fala-lhe então das guerras que terá de sustentar, faz-lhe conhecer os povos laurentes e a cidade de Latino e como poderá evitar ou suportar cada uma das provas.

Há duas portas do Sono: uma, diz-se, é de chifre, pela qual as Sombras verdadeiras encontram saída fácil; a outra, brilhante, feita de marfim refulgente de brancura, mas pela qual os Manes enviam para o céu os sonhos falsos. Anquises, sempre falando, acompanha seu filho assim como a Sibila e os faz sair pela porta de marfim. O herói corta o caminho para as suas naves e reúne-se aos companheiros. Depois, bordejando a costa, dirige-se para Caiete. A âncora é lançada do alto da proa; as popas estão na praia.

Fonte: http://www.jornaldepoesia.jor.br/eneida.pdf