quarta-feira, 2 de maio de 2012

5. Eneida de Virgílio





conduz ao Tártaro ímpio, onde os maus são punidos”. Deífobo, em resposta, diz: "Não te irrites, grande sacerdotisa; afastar-me-ei; com­pletarei o número das sombras e reentrarei nas trevas. Vai, nossa glória, vai, segue melhores destinos”. Nada mais disse e com essas palavras se afastou.

Subitamente Enéias olha para trás e vê à esquerda, ao pé dum rochedo, largas muralhas circundadas por tríplice muro. Um rio rápido, o Flegetonte do Tártaro, as rodeia com chamas torrenciais e rola retumbantes rochedos. Em frente, uma enorme porta e colunas de sólido diamante, tais que nenhuma força humana, nem os próprios celícolas as podem derrubar. Uma torre de ferro se ergue nos ares, e Tisífone aí vigia, com a veste ensangüentada apanhada, guardando o vestíbulo noite e dia, sem dormir. Dali se ouvem gemidos, terríveis chicotadas, depois o ruído estridente do ferro e o arrastar de cadeias. Enéias parou e, atônito, escutou o barulho: “Que espécie de crimes aqui é punida? ó virgem, dize-me; quais são os castigos que aí se infligem? Que grande lamento é este que sobe aos meus ouvidos?” Então a sacerdotisa lhe responde: “Chefe ilustre dos teucros, não é permitido a nenhum homem transpor o limiar do crime; mas Hécate, em me confiando a guarda dos bosques sagrados do Averno, me instruiu ela mesma a respeito das penas estabelecidas pelos deuses e me conduziu por toda parte. O gnóssio Radamanto exerce nesses lugares o seu muito duro poder; tortura os fraudulentos e os obriga a confessar os crimes de que se gabam em vão de haver escondido dos mortais e cuja expiação diferiam até a hora tardia da morte. Imediatamente, armada de vergalhos, a vingadora Tisífone, saltando sobre os culpados, os flagela, e, com a mão direita, brandindo contra eles ameaçadoras serpentes, chama a feroz caterva de suas irmãs. Somente então, abrem-se as portas sagradas, rangendo na couceira com horrível ruído. Vês qual é a guarda que está assentada no vestíbulo? Lá dentro, mais feroz ainda, tem assento uma hidra monstruosa, de cinqüenta goelas negras e hiantes. Logo depois o próprio Tártaro se abre e se estende pelo império das sombras, duas vezes tão profundo quanto o espaço que o olhar alcança do céu até o etéreo Olimpo. Lá, a antiga raça da Terra, os Titãs, derrubados pelo raio, revolvem-se nas profundezas do abismo. Lá, também, vi os dois filhos de Aloeu, os Aloídas, monstruosos gigantes que tentaram forçar o grande céu com suas mãos e expulsar Júpiter do reino do céu. Vi, ainda, Salmoneu sofrer cruéis castigos; imitando os raios de Júpiter e o estrondo do Olimpo, tirado por quatro cavalos e agitando a tocha, atravessava, como triunfador , por entre os povos dos gregos e da sua cidade no meio da Élida e reclamava para si as honras dos deuses; louco! Cria que conduzindo por uma ponte de bronze os cavalos de cascos retumbantes imitava as procelas e o raio inimitável! Mas o pai onipotente lançou do seio das nuvens espessas, não brandões, não fachos de fumarentos tições, mas um raio, e o precipitou num monstruoso turbilhão. E era também para ver Tício, rebento da Terra, mãe de todas as coisas, cujo corpo cobre nove jeiras inteiras: um monstruoso abutre de bico recurvo roendo seu fígado imortal e suas entranhas fecundas em suplícios, aí escava a fim de encontrar alimento, e habita sob seu profundo peito e não dá tréguas às fibras sempre renascentes. Para que lembrarei os lápitas e Ixião e Piríto? Uns rolam ingente rochedo ou pendem, esquartejados, dos raios de uma roda; o infortunado Teseu está assentado e assentado permanecerá eternamente; Flégias, o mais desgraçado, adverte a todos e os toma por testemunha com a sua voz imensa, na sombra: ‘Aprendei, pelo meu exemplo, a respeitar a justiça e a não desprezar os deuses!’ Sob sua cabeça, negra rocha ameaça rolar e parece prestes a cair. Sobre altos leitos de festa luzem as cabeceiras de ouro, e alimentos estão dispostos sob seus olhos com luxo real; mas a mais idosa das Fúrias está deitada a seu lado e lhe impede pôr a mão na mesa, ergue-se brandindo sua tocha e faz ouvir o trovão da sua voz. Lá se encontram aqueles que durante a vida odiaram os irmãos, espancaram os pais ou enganaram a boa fé de um cliente; aqueles (e o número é considerável) que juntaram as riquezas para eles somente acumuladas e não deram uma parte ao próximo; aqueles que foram mortos por causa de adultério e aqueles que, seguindo ímpias