ENEIDA
Virgílio
Tradução: Tassilo Orpheu Spalding
Eles iam, obscuros, através da noite solitária, através da sombra e através das moradas vazias e do vão reino de Dite: tal é o caminho nos bosques, quando a lua é incerta, sob uma luz maligna, quando Júpiter mergulhou o céu na sombra e a sombria noite arrebatou às coisas sua cor.
No próprio vestíbulo, à entrada das gargantas do Orco, o Luto e os Remorsos vingadores puseram seus leitos; lá habitam as pálidas Doenças, e a triste Velhice, e o Temor, e a Fome, má conselheira, e a espantosa Pobreza, formas terríveis de se ver, e a Morte, e o Sofrimento; depois, o Sono, irmão da Morte, e as Alegrias perversas do espírito, e, no vestíbulo fronteiro, a Guerra mortífera, e os férreos tálamos das Eumênides, e a Discórdia insensata, com sua cabeleira de víboras atada com fitas sangrentas.
No meio, um olmeiro opaco, enorme, estende seus ramos e seus galhos seculares, morada, diz-se, que freqüentam comumente os Sonhos vãos, fixados sob todas as suas folhas. Além disso, mil fantasmas monstruosos de animais selvagens e variados aí se encontram: os Centauros, que têm seus estábulos nas portas, e as Cilas biformes, e Briareu hecatonquiro, e o monstro de Lema, assobiando horrivelmente, e a Quimera armada de chamas, e as Górgonas, e as Harpias, e a forma da Sombra de tríplice corpo.
Tremendo com súbito espanto, Enéias desembainha sua espada e apresenta a ponta acerada aos monstros que avançam; e se a sua douta companheira não o advertisse de que se tratava de tênues almas sem corpo, que volitavam sob um envoltório sem consistência, ter-se-ia precipitado sobre elas e em vão feriria as sombras com o ferro.
Daqui começa o caminho que conduz às ondas do Aqueronte do Tártaro: é um golfo que borbulha, vasto abismo de lodo que referve e que vomita todo seu limo no Cocito. Um barqueiro horrendo guarda estas águas, e os rios, Caronte, de terrível sujidade, cuja barba abundante, branca e mal tratada, lhe cai do queixo; seus olhos cheios de chamas são fixos; pende-lhe das espáduas o sórdido manto amarrado com um nó. Por meio de uma vara impele a embarcação, dirige-a com a vela e transporta os corpos na barca cor de ferrugem; já é idoso, mas sua velhice é sólida e vigorosa como a de um deus. Toda a multidão ali espalhada corria para a margem, mães e homens e corpos de magnânimos heróis, privados da vida, meninos e virgens e mancebos colocados nas fogueiras ante os olhos dos pais, tão numerosos como as folhas que giram e caem nos bosques ao primeiro frio do outono; tão numerosos como os pássaros que se agrupam, vindos do alto-mar para o continente, quando a fria estação os faz fugir através do oceano e os expulsa para as terras soalheiras. Agrupados, pediam que fossem os primeiros a passar, e estendiam as mãos na ânsia de atingir a outra margem. Mas o triste barqueiro acolhe ora estes, ora aqueles, e afasta para longe das margens aqueles que recusou.