armas, não temeram trair o juramento feito aos seus senhores: todos, lá aprisionados, esperam o castigo. Não procures saber qual é este castigo nem que forma de crime ou que destino mergulhou os homens nestes tormentos. Aquele vendeu sua pátria por ouro e lhe impôs um senhor todo-poderoso; aquele outro, mediante certa soma, estabeleceu leis e aboliu-as; aqueloutro penetrou na alcova da filha e consumou um himeneu interdito. Todos ousaram crimes monstruosos e realizaram sua audácia. Não, mesmo que tivesse cem línguas e cem bocas e uma voz de ferro, não poderia enumerar todas as formas de crime, passar em revista todos os nomes dos suplícios”.
Depois que pronunciou estas palavras, a velha sacerdotisa de Febo continuou: “Mas vamos, prossegue tua rota e conclui o que empreendeste com o meu favor; apressemo-nos; já vejo os muros saídos das forjas dos Ciclopes, e as portas com a abóbada fronteira, onde nos cumpre depositar estes presentes
Tinha dito; e, caminhando a par através das trevas da rota, atravessam rapidamente o espaço intermediário e se aproximam das portas. Enéias ocupa a entrada e borrifa com água fresca o seu corpo e fixa o ramo no limiar que lhe está fronteiro.
Terminados estes deveres e oferecido o presente à deusa, chegam às ridentes paragens, aos frescos vergéis de árvores deliciosas e às habitações dos bem-aventurados. Éter mais rico reveste esses lugares de luz de púrpura. As sombras aí têm o seu sol e suas constelações. Umas, sobre a relva, exercem seus membros na palestra, medem suas forças no jogo e lutam sobre a areia fulva; outras batem a terra em coros cadenciados e cantam versos. O sacerdote da Trácia, com longas vestes, faz soar harmoniosamente as sete notas do canto e faz a lira vibrar, ora sob seus dedos, ora sob o plectro de marfim. Lá se encontra a antiga descendência de Teucro, magnífica posteridade, heróis magnânimos nascidos em anos melhores: Ilo, Assáraco e Dárdano, fundador de Tróia. Enéias admira, de longe, as armas e os carros sem consistência dos guerreiros; as lanças estão pregadas na terra e os cavalos pascem aqui e acolá. Aqueles que gostaram de carros enquanto vivos, e de armas, aqueles que gostaram de apascentar os nédios cavalos, conservam o mesmo gosto descidos sob a terra. Eis que vê outros à direita e à esquerda banqueteando-se na erva e cantando em coro alegre peã, no meio de um bosque odorífero de loureiros, donde o rio Erídano, que rola suas águas abundantes através da floresta, sai para ascender à superfície da terra. Lá se achava um esquadrão de guerreiros, cobertos de feridas que sofreram combatendo pela pátria, e os sacerdotes que, durante a vida, observaram os ritos; os poetas piedosos, cujos versos foram dignos de Febo; e aqueles que embelezaram a vida por meio de seus inventos e artes; e aqueles que por seus serviços mereceram viver na memória dos outros. Todos têm as têmporas cingidas com fitas cor de neve. A Sibila dirige-se a essas Sombras espalhadas ao seu redor, e sobretudo a Museu, pois ela o via cercado de numerosa multidão que ele ultrapassava com seus altos ombros: “Dizei, ó almas felizes, e tu, ó ótimo vate, que região, que lugar ocupa Anquises? Viemos por causa dele e passamos os grandes rios do Erebo”. Então o herói lhe responde assim em poucas palavras: “Ninguém aqui tem residência fixa; habitamos os bosques sombrios, as ribanceiras dos rios e as frescas praias regadas pelos regatos. Mas, se tal é a vontade de vossos corações, subi este cabeço e logo vos porei em fácil atalho”. Tinha dito e, avançando na frente, mostra-lhes os campos brilhantes; descem logo do cume da eminência.