quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Capitão Nascimento é uma afronta aos pseudos intelectuais

Artigo: Reinaldo Azevedo
Capitão Nascimento bate
no Bonde do Foucault

Divulgação

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Trailer do filme

Nunca antes neste país um produto cultural foi objeto de cerco tão covarde como Tropa de Elite, o filme do diretor José Padilha. Os donos dos morros dos cadernos de cultura dos jornais, investidos do papel de aiatolás das utopias permitidas, resolveram incinerá-lo antes que fosse lançado e emitiram a sua fatwa, a sua sentença: "Ele é reacionário e precisa ser destruído". Num programa de TV, um careca, com barba e óculos inteligentes, índices que denunciam um "inteliquitual", sotaque inequívoco de amigo do povo, advertia: "A mensagem é perigosa". Outro, olhar esgazeado, sintaxe trêmula, sonhava: a solução é "descriminar as drogas". E houve quem não resistisse, cravando a palavra mágica: "É de direita". Nem chegaram a dizer se o filme – que é entretenimento, não tratado de sociologia – é bom ou não.

Seqüestrado pelo Bonde do Foucault (já explico o que é isso), Padilha foi libertado pelo povo. A pirataria transformou seu filme num fenômeno. A esquerda intelectual, organizada em bando para assaltar a reputação alheia (como de hábito), já não podia fazer mais nada. Pouco importava o que dissesse ou escrevesse, o filme era um sucesso. Derrotada, restou-lhe arrancar, como veremos, do indivíduo Padilha o que o cineasta Padilha não confessou. Por que tanta fúria? A resposta é simples: Tropa de Elite comete a ousadia de propor um dilema moral e de oferecer uma resposta. Em tempos de triunfo do analfabetismo também moral, é uma ofensa grave.

Qual dilema? Não há como ressuscitar o filósofo alemão Immanuel Kant (1724-1804), mas podemos consultar a sua obra e então indagar ao consumidor de droga: "Você só pratica ações que possam ser generalizadas?". Ou por outra: "Se todos, na sociedade, seguirem o seu exemplo, o Brasil será um bom lugar para viver?". O que o pensamento politicamente correto não suporta no Capitão Nascimento, o anti-herói com muito caráter, não é a sua truculência, mas a sua clareza; não é o seu defeito, mas a sua qualidade. Ele não padece de psicose dialética, uma brotoeja teórica que nasce na esquerda e que faz o bem brotar do mal, e o mal, do bem. Nascimento cultua é o bom paradoxo. Segue a máxima de Lúcio Flávio, um marginal lendário no Brasil, de tempos quase românticos: "Bandido é bandido, polícia é polícia".

A cena do filme já é famosa: numa incursão à favela, o Bope mata um traficante. No grupo de marginais, há um "estudante". Aos safanões, Nascimento lhe pergunta, depois de enfiar a sua cara no abdômen estuporado do cadáver: "Quem matou esse cara?". Com medo, o rapaz engrola uns "não sei, não sei". Alguns tapas na cara depois, acaba respondendo: "Foram vocês". E ouve do capitão a resposta que mais irritou o Bonde do Foucault: "Não! Foi você, seu maconheiro". Nascimento, quem diria?, é um discípulo de Kant. Um pouco desastrado, mas é. A narrativa é sempre pontuada por sua voz em off. Num dado momento, ele faz uma indagação: "Quantas crianças nós vamos perder para o tráfico para que o playboy possa enrolar o seu baseado?".

O Bope que aparece no filme de Padilha é incorruptível, mas violento. O principal parceiro de Nascimento chega a desistir de uma ação porque não quer compactuar com seus métodos, que, fica claro, são ilegais. Trata-se de uma mentira torpe a acusação de que o filme faz a apologia da tortura. Ocorre que o ódio que a patrulha ideológica passou a devotar à obra não deriva daí. Isso é pretexto. O que os "playboys" do relativismo rejeitam é a evocação da responsabilidade dos consumidores de droga na tragédia social brasileira. Nascimento invadiu a praia do Posto 9, em Ipanema.

Já empreguei duas vezes a expressão "Bonde do Foucault" para me referir à quadrilha ideológica que tentou pôr um saco da verdade na cabeça de Padilha: "Confesse que você é um reacionário". "Bonde", talvez vocês saibam, é como se chama, no Rio de Janeiro, a ação de bandidos quando decidem agir em conjunto para aterrorizar os cidadãos. Quem já viu Tropa de Elite sabe: faço alusão também a uma passagem em que universitários – alguns deles militantes de uma ONG e, de fato, aliados do tráfico – participam de uma aula-seminário sobre o filósofo francês Michel Foucault (1926-1984). Falam sobre o livro Vigiar e Punir, em que o autor discorre sobre a evolução da legislação penal ao longo da história e caracteriza, de modo muito crítico, os métodos coercitivos e punitivos do estado.

No Brasil, os traficantes de idéias mortas são quase tão perigosos quanto os donos dos morros, como evidenciam nossos livros didáticos. Foucault sempre foi um incompreendido. Por que digo isso? Porque ele era ainda mais picareta do que seus críticos apontaram. No filme, aluna e professor fazem um pastiche de seu pensamento, e isso serve de pretexto para um severo ataque à polícia, abominada pelos bacanas como força de repressão a serviço do estado e suas injustiças. Sim, isso pode ser Foucault, mas Foucault era pior do que isso. Em Vigiar e Punir, ele fica a um passo de sugerir que o castigo físico é preferível às formas que entende veladas de repressão postas em prática pelo estado moderno. Lixo.

O personagem Matias, um policial que faz o curso de direito, é o elo entre o Capitão Nascimento, o kantiano rústico, e esse núcleo universitário. A seqüência em que essas duas éticas se confrontam desmoraliza o discurso progressista sobre as drogas e revela não a convivência entre as diferenças, mas a conivência com o crime de uma franja da sociedade que pretende, a um só tempo, ser beneficiária de todas as vantagens do estado de direito e de todas as transgressões da delinqüência. Por isso o "Bonde do Foucault" da imprensa tentou fazer um arrastão ideológico contra Tropa de Elite. Quem consome droga ilícita põe uma arma na mão de uma criança. É simples. É fato. É objetivo. Cheirar ou não cheirar é uma questão individual, moral, mas é também uma questão ética, voltada para o coletivo: em qual sociedade o consumidor de drogas escolheu viver? Posso assegurar: não há livro de Foucault que nos ajude a responder.

Derrotada, a elite da tropa esquerdopata não desistiu. José Padilha e o ator Wagner Moura foram convocados a ir além de suas sandálias. Assim como um juiz só fala nos autos, a voz que importa de um artista é a que está em seu trabalho. Ocorre que era preciso uma reparação. A opinião de ambos – ligeira e mal pensada – favorável à descriminação das drogas ameaçou, num dado momento, sobrepor-se ao próprio filme. Observem: Tropa de Elitetrata é da falência de um sistema de segurança em que, segundo Nascimento, um policial "ou se corrompe, ou se omite, ou vai para a guerra".

A falha desse sistema independe do crime que ele é chamado a reprimir. Se as drogas forem liberadas e aquela falha permanecer, os maus policiais encontrarão outras formas de extorsão e associação com o crime. E esse me parece um aspecto importante do filme, que tem sido negligenciado. Um dos lemas da tropa é "No Bope tem guerreiros que acreditam no Brasil". Esse patriotismo ingênuo e retórico tem fôlego curto: um dos soldados da equipe morre, e seu caixão está coberto com a bandeira brasileira. Solene e desafiador, Nascimento chega ao velório e joga sobre o "auriverde pendão da esperança" a assustadora bandeira do Bope: um crânio fincado por uma espada, atrás do qual se cruzam duas pistolas. Outro dos refrões do grupo pergunta e responde: "Homem de preto, qual é sua missão? / Entrar na favela e deixar corpo no chão / Homem de preto, o que é que você faz? / Eu faço coisas que assustam satanás". Resta evidente que o filme não propõe este Bope como modelo de polícia.

Pouco me importa o que pensam Padilha e Moura. O que interessa é o filme. E o filme submete a um justo ridículo a sociologia vagabunda que tenta ver a polícia e o bandido como lados opostos (às vezes unidos), mas de idêntica legitimidade, de um conflito inerente ao estado burguês. O kantiano rústico "pegou geral" o Bonde do Foucault.

http://veja.abril.com.br/171007/p_090.shtml acessado em 30/11/11.

terça-feira, 29 de novembro de 2011

BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE RACISMO E INTOLERÂNCIA RACIAL.


A LEI Nº 7.716/89

Ricardo Antonio Andreucci *

1. Racismo e discriminação ou preconceito racial – A intolerância racial.

É muito comum se estabelecer confusão entre racismo e discriminação ou preconceito racial.

O termo racismo geralmente expressa o conjunto de teorias e crenças que estabelecem uma hierarquia entre as raças, entre as etnias, ou ainda uma atitude de hostilidade em relação a determinadas categorias de pessoas. Pode ser classificado como um fenômeno cultural, praticamente inseparável da história humana.

A discriminação racial, por seu turno, expressa a quebra do princípio da igualdade, como distinção, exclusão, restrição ou preferências, motivado por raça, cor, sexo, idade, trabalho, credo religioso ou convicções políticas.

Já o preconceito racial indica opinião ou sentimento, quer favorável quer desfavorável, concebido sem exame crítico, ou ainda a atitude, sentimento ou parecer insensato, assumido em conseqüência da generalização apressada de uma experiência pessoal ou imposta pelo meio, conduzindo geralmente à intolerância.

Portanto, em regra, o racismo ou o preconceito racial é que levam à discriminação e à intolerância racial.

E nesse aspecto, existe uma preocupação mundial no combate ao racismo e à intolerância racial, que se manifesta através da realização de múltiplos eventos, nacionais e internacionais, com a participação de entidades governamentais e não governamentais, buscando a união dos povos contra toda forma de racismo, intolerância e discriminação, não apenas como caminho de preservação e respeito aos direitos humanos mais básicos, mas também como medida de minimização e erradicação de revoltas, guerras e conflitos sociais.

A Organização das Nações Unidas realizou uma Conferência Mundial contra o racismo, na África do Sul, nos meses de julho e agosto de 2001, com a presença de líderes governamentais, organizações internacionais e intergovernamentais, organizações não-governamentais (ONGs), entre outras. Na oportunidade, Mary Robinson, ex-presidente da Irlanda e Alta-comissária da ONU para Direitos Humanos, no dia primeiro de maio, ao conversar com membros da Comissão Preparatória, em Genebra, a respeito de suas metas e perspectivas para a Conferência Mundial, observou:

“Esta Conferência Mundial tem potencial para estar entre os mais significativos encontros do início deste século. Pode ser mais: A conferência pode dar forma e simbolizar o espírito do novo século, baseada na mútua convicção de que nós todos somos membros de uma família humana. O desafio está em fazer desta Conferência um marco na guerra para erradicar todas as formas de racismo. As persistentes desigualdades, no que diz respeito aos direitos humanos mais básicos, não são apenas erradas em si, são também a principal causa de revoltas e conflitos sociais. Pesquisas de opinião em vários países mostram que temas ligados à discriminação racial, xenofobia e outras formas de intolerância predominam entre as preocupações públicas hoje. Há uma grande responsabilidade moral de todos os participantes em fazer com que esta Conferência tenha êxito. Depende apenas de todos nós assegurar que tiraremos proveito desta oportunidade e que produziremos um resultado prático, com uma ação orientada, que responda a estas preocupações. Nós devemos isto especialmente às gerações mais jovens, que correm o risco de crescer num mundo cuja população aumenta num ritmo sem precedentes.”

Observou, ainda, Mary Robinson, que “o nome desta Conferência Mundial abarca outras formas de racismo e preconceito em nosso mundo moderno, como a xenofobia em todas as suas manifestações; como o anti-semitismo; a negrophobia; a discriminação contra povos indígenas, migrantes, refugiados, outros povos deslocados de suas localidades de origem e as comunidades minoritárias, tais como Roma e Sinti. Há ainda numerosos exemplos de discriminação com base na religião ou status social.”

Constata-se, outrossim, que a questão da intolerância racial não é moderna, já existindo desde os tempos mais remotos, não encontrando fronteiras temporais ou territoriais, merecendo ser destacado excerto de ensaio intitulado “Nuestra América”, de José Luiz Gómez-Martínez[1], sobre a época do descobrimento e colonização das Américas:

“No hay odio de razas, porque no hay razas. Los pensadores canijos, los pensadores de lámparas, enhebran y recalientan las razas de librería, que el viajero justo y el observador cordial buscan en vano en la justicia de la naturaleza, donde resalta, en el amor victorioso y el apetito turbulento, la identidad universal del hombre. El alma emana, igual y eterna, de los cuerpos diversos en forma y en color. Peca contra la humanidad el que fomente y propague la oposición y el odio de las razas. Pero en el amasijo de los pueblos se condensan, en la cercanía de otros pueblos diversos, caracteres peculiares y activos, de ideas y de hábitos, de ensanche y adquisición, de vanidad y de avaricia, que del estado latente de preocupaciones nacionales pudieran, en un período de desorden interno o de precipitación del carácter acumulado del país, trocarse en amenaza grave para las tierras vecinas, aisladas y débiles, que el país fuerte declara perecederas e inferiores. Pensar es servir. Ni ha de suponerse, por antipatía de aldea, una maldad ingénita y fatal al pueblo rubio del continente, porque no habla nuestro idioma, ni ve la casa como nosotros la vemos, ni se nos parece en sus lacras políticas, que son diferentes de las nuestras; ni tiene en mucho a los hombres biliosos y trigueños, ni mira caritativo, desde su eminencia aún mal segura, a los que, con menos favor de la historia, suben a tramos heroicos la vía de las repúblicas; ni se han de esconder los datos patentes del problema que puede resolverse, para la paz de los siglos, con el estudio oportuno y la unión tácita y urgente del alma continental. ¡Porque ya suena el himno unánime; la generación actual lleva a cuestas, por el camino abonado por los padres sublimes, la América trabajadora; del Bravo a Magallanes, sentado en el lomo del cóndor, regó el Gran Semí, por las naciones románticas del continente y por las islas dolorosas del mar, la semilla de la América nueva !”

Vale destacar, ainda, no mesmo sentido, as observações feitas pelo bispo Dom Bartolomé de las Casas, da Ordem de Santo Domingo, na época do descobrimento, em belíssimo ensaio intitulado “Descubrimiento de lãs Indias”[2] :

“De la gran Tierra Firme somos ciertos que nuestros españoles por sus crueldades y nefandas obras, han despoblado y asolado y que están hoy desiertas, estando llenas de hombres racionales, más de diez reinos mayores que toda España, aunque entre Aragón y Portugal en ellos, y más tierra que hay de Sevilla a Jerusalén dos veces, que son más de dos mil leguas.

Daremos por cuenta muy cierta y verdadera que son muertas en los dichos cuarenta años por las dichas tiranías e infernales obras de los cristianos, injusta y tiránicamente, más de doce cuentos de ánimas, hombres y mujeres y niños; y en verdad que creo, sin pensar engañarme, que son más de quince cuentos.

Dos maneras generales y principales han tenido los que allá han pasado, que se llaman cristianos, en estirpar y raer de la haz de la tierra a aquellas miserandas naciones. La una, por injustas, crueles, sangrientas y tiránicas guerras. La otra, después que han muerto todos los que podrían anhelar o sospirar o pensar en libertad, o en salir de los tormentos que padecen, como son todos los señores naturales y los hombres varones (porque comúnmente no dejan en las guerras a vida sino los mozos y mujeres), oprimiéndolos con la más dura, horrible y áspera servidumbre en que jamás hombres ni bestias pudieron ser puestas. A estas dos maneras de tiranía infernal se reducen e se resuelven, o subalternan como a géneros, todas las otras diversas y varias de asolar aquellas gentes, que son infinitas.

La causa por que han muerto y destruido tantas y tales e tan infinito número de ánimas los cristianos, ha sido solamente por tener por su fin último el oro y henchirse de riquezas en muy breves días, e subir a estados muy altos e sin proporción de sus personas; conviene a saber, por la insaciable cudicia e ambición que han tenido, que ha sido mayor que en el mundo ser pudo, por ser aquellas tierras tan felices e tan ricas, e las gentes tan humildes, tan pacientes y tan fáciles a subjectarlas; a las cuales no han tenido más respecto ni dellas han hecho más cuenta ni estima (hablo con verdad por lo que sé y he visto todo el dicho tiempo), no digo que de bestias (porque pluguiera a Dios que como a bestias las hobieran tractado y estimado), pero como y menos que estiércol de las plazas. Y así han curado de sus vidas e de sus ánimas, e por esto todos los números e cuentos dichos han muerto sin fe e sin sacramentos. Y ésta es una muy notoria e averiguada verdad, que todos, aunque sean los tiranos e matadores, la saben e la confiesan: que nunca los indios de todas las Indias hicieron mal alguno a cristianos, antes los tuvieron por venidos del cielo, hasta que primero muchas veces hobieron recebido ellos o sus vecinos muchos males, robos, muertes, violencias y vejaciones dellos mesmos.”

Constata-se, portanto, que o racismo, a discriminação, o preconceito e a intolerância racial são fenômenos antigos e mundiais, não restritos apenas a países ou regiões do globo, apresentando implicações transnacionais e intertemporais de acentuada importância, principalmente como agentes catalisadores de inúmeros conflitos e guerras, que tanto sofrimento e desespero têm propiciado à população mundial.

2. Raça, cor, etnia, religião e procedência nacional – A lei nº 7.716/89.

No Brasil, o primeiro diploma a cuidar especificamente do preconceito e da discriminação racial foi a Lei nº 1.390, de 3 de julho de 1951, denominada Lei Afonso Arinos, de autoria do então deputado federal pelo estado de Minas Gerais, Afonso Arinos de Melo Franco.

A ela se seguiu a Lei nº 7.716, de 15 de janeiro de 1989, até hoje em vigor, que foi modificada pela Lei nº 9.459, de 13 de maio de 1997, que alargou significativamente seu alcance, apontando expressamente a discriminação e acrescendo os crimes resultantes de preconceito ou discriminação de etnia, religião ou procedência nacional.

A referida Lei nº 7.716/89, no art. 1º, estabelece punição aos crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, sem, entretanto, esclarecer os precisos contornos de cada uma dessas expressões.

Raça pode ser definida como cada um dos grupos em que se subdividem algumas espécies animais (no caso específico da lei – o homem), e cujos caracteres diferenciais se conservam através das gerações (Ex.: raça branca, amarela, negra).

Cor indica a coloração da pele em geral (branca, preta, vermelha, amarela, parda).

Etnia significa coletividade de indivíduos que se diferencia por sua especificidade sociocultural, refletida principalmente na língua, religião e maneiras de agir. Há quem inclua fatores de natureza política no conceito de etnia (Ex.: índios, árabes, judeus etc).

Religião é a crença ou culto praticados por um grupo social, ou ainda a manifestação de crença por meio de doutrinas e rituais próprios (Ex.: católica, protestante, espírita, muçulmana, islamita etc).

Procedência nacional significa o lugar de origem da pessoa; a nação da qual provém; o local do qual procede o indivíduo (Ex.:italiano, japonês, português, árabe, etc), incluindo, a nosso ver, a procedência interna do país (Ex.: nordestino, baiano, cearense, carioca, gaúcho, mineiro, paulista etc).

3. Injúria por preconceito.

A injúria por preconceito, também chamada de injúria racial, foi acrescentada ao Código Penal pela Lei nº 9.459, de 13 de maio de 1997, consistindo na utilização de elementos referentes à raça, cor etnia, religião ou origem, para ofender a honra subjetiva (auto-estima) da vítima. Vem prevista no art. 140, § 3º, do Código Penal, cominando pena de 1 a 3 anos de reclusão, e multa.

Portanto, não há que se confundir, como freqüentemente ocorre, o crime de racismo (previsto pela Lei nº 7.716/89), com o crime de injúria por preconceito. O primeiro resulta de discriminação, de preconceito racial, implicando em segregação, impedimento de acesso, recusa de atendimento etc, a alguém. O segundo é crime contra a honra, agindo o sujeito ativo com animus injuriandi vel diffamandi,elegendo como forma de execução do crime justamente a utilização de elementos referentes à raça, cor, etnia, religião ou origem da vítima.

Nesse sentido:

“A utilização de palavras depreciativas referentes à raça, cor, religião ou origem, com o intuito de ofender a honra subjetiva da pessoa, caracteriza o crime previsto no § 3º do art. 140 do CP, ou seja, injúria qualificada, e não o crime previsto no art. 20 da Lei nº 7.716/89, que trata dos crimes de preconceito de raça ou de cor.” (TJSP – RT 752/594).

4. Conclusão.

A Conferência Mundial contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e a Intolerância Conexa, realizada em Durban, na África do Sul, que contou com a participação de 2300 representantes de 163 países, entre eles 16 chefes de estado, 58 ministros de negócios estrangeiros e 48 ministros de outras áreas, 4000 representantes de organizações não governamentais e mais de 1100 representantes dos meios de comunicação social, concluiu pela condenação dos flagelos à Humanidade que são a discriminação e a intolerância, lançando um apelo à ação por parte da comunidade internacional, com vista a erradicá-los onde quer que possam existir.

A Conferência aprovou uma Declaração e um Programa de Ação, que obriga os estados membros a adotarem uma série de medidas para combater o racismo em nível internacional, regional e nacional.

Relativamente aos motivos da discriminação, a Conferência reconheceu que o racismo, a discriminação racial, a xenofobia e a intolerância conexa, ocorreram com base na raça, cor, ascendência ou origem nacional ou étnica e que as vítimas podem sofrer discriminação em relação a outros motivos ou a motivos relacionados com estes, nomeadamente o sexo, a língua, a religião, a opinião política ou de outro tipo, a origem social, os bens, o nascimento ou outra condição.

Nesse aspecto, deve ser reconhecida a importância de prestar especial atenção a novas manifestações de racismo, discriminação, xenofobia e intolerância conexa a que vêm sendo expostos os jovens e outros grupos vulneráveis (com o recrudescimento do neonazismo, neofascismo e outras ideologias nacionalistas violentas – veiculadas por meios de comunicação como a Internet), males esses que se incluem entre as causas básicas dos conflitos armados e, amiúde, entre as suas conseqüências.

Inclusive, não pode ser ignorado que o desenvolvimento socioeconômico de muitos povos e nações vem sendo tolhido por conflitos internos generalizados, ausentes medidas que favoreçam a inclusão e a participação.

Por fim, não se deve olvidar que o problema da economia mundial e seus aspectos multifacetados, envolvendo o fenômeno da globalização, apresentam, atualmente, inegável influência na gênese do racismo, da discriminação, da xenofobia e da intolerância conexa, merecendo destaque, nesse aspecto, a observação feita por A. Sivanamdan[3], a respeito do tema:

“Racism has always been both an instrument of discrimination and a tool of exploitation. But it manifests itself as a cultural phenomenon, susceptible to cultural solutions, such as multicultural education and the promotion of ethnic identities.

Tackling the problem of cultural inequality, however, does not by itself redress the problem of economic inequality. Racism is conditioned by economic imperatives, but negotiated through culture: religion, literature, art, science and the media.

... Once, they demonised the blacks to justify slavery. Then they demonised the “coloureds” to justify colonialism. Today, they demonise asylum seekers to justify the ways of globalism. And, in the age of the media, of spin, demonisation sets out the parameters of popular culture within which such exclusion finds its own rationale — usually under the guise of xenophobia, the fear of strangers.”

* RICARDO ANTONIO ANDREUCCI é Promotor de Justiça Criminal de São Paulo, Brasil, tendo ingressado no Ministério Público em 1988. Atualmente integra a 1ª Promotoria de Justiça Criminal da Capital, já tendo exercido diversas funções de assessoria junto à Procuradoria Geral de Justiça. Professor de Direito Penal, Direito Processual Penal e Legislação Penal Especial em universidades e cursos preparatórios para ingresso nas carreiras jurídicas. Professor de Direito Penal e Direito Processual Penal em cursos de pós-graduação no Estado de São Paulo. Professor da Escola Superior do Ministério Público do Estado de São Paulo. Professor de Direito Penal do Trabalho em cursos preparatórios para ingresso nas carreiras trabalhistas e em cursos de pós-graduação em Direito do Trabalho e Direito Previdenciário. Bacharel em Direito pela Universidade de São Paulo - USP, turma de 1987. Mestre em Direito Processual Civil. Doutorando em Ciências Jurídicas e Sociais pela "Universidad del Museo Social Argentino", em Buenos Aires. É autor das seguintes obras: Manual de Direito Penal, em três volumes, pela Editora Saraiva; Legislação Penal Especial, pela Editora Saraiva; Mini Código Penal Anotado, pela Editora Saraiva; Direito Penal do Trabalho, pela Editora Saraiva; Curso de Direito Penal, em dois volumes, pela Editora Juarez de Oliveira; Comentários ao Projeto de Código Penal - Parte Geral, pela Editora Juarez de Oliveira; Simula Prova Promotor de Justiça - CD ROM, pela Editora Verbo Jurídico; Direito Penal - Parte Geral e Parte Especial, em 14 CDs, pela Editora RCS; co-autor das obras Crimes Falimentares e Estatuto do Desarmamento, ambas pela Editora Quartier Latin. Tem vários artigos publicados na imprensa especializada.



[1] La Revista Ilustrada de Nueva York. 10.1.1891

[2] Brevíssima relación de la destruyción de las Indias. 1552. Edición digital a cargo de José Luis Gómez-Martínez.

[3] Poverty is the new black. The Guardian. August 17, 2001.

http://www.revistapersona.com.ar/Persona70/70Andreucci.htm acessado em 29/11/11.

sábado, 26 de novembro de 2011

História da língua no Brasil



No início da colonização portuguesa no Brasil (a partir da descoberta, em 1500), o tupi (mais precisamente, o tupinambá, uma língua do litoral brasileiro da família tupi-guarani) foi usado como língua geral na colônia, ao lado do português, principalmente graças aos padres jesuítas que haviam estudado e difundido a língua. Em 1757, a utilização do tupi foi proibida por uma Provisão Real. Tal medida foi possível porque, a essa altura, o tupi já estava sendo suplantado pelo português, em virtude da chegada de muitos imigrantes da metrópole. Com a expulsão dos jesuítas em 1759, o português fixou-se definitivamente como o idioma do Brasil. Das línguas indígenas, o português herdou palavras ligadas à flora e à fauna (abacaxi, mandioca, caju, tatu, piranha), bem como nomes próprios e geográficos.

Com o fluxo de escravos trazidos da África, a língua falada na colônia recebeu novas contribuições. A influência africana no português do Brasil, que em alguns casos chegou também à Europa, veio principalmente do iorubá, falado pelos negros vindos da Nigéria (vocabulário ligado à religião e à cozinha afrobrasileiras), e do quimbundo angolano (palavras comocaçula, moleque e samba).

Um novo afastamento entre o português brasileiro e o europeu aconteceu quando a língua falada no Brasil colonial não acompanhou as mudanças ocorridas no falar português (principalmente por influência francesa) durante o século XVIII, mantendo-se fiel, basicamente, à maneira de pronunciar da época da descoberta. Uma reaproximação ocorreu entre 1808 e 1821, quando a família real portuguesa, em razão da invasão do país pelas tropas de Napoleão Bonaparte, transferiu-se para o Brasil com toda sua corte, ocasionando um reaportuguesamento intenso da língua falada nas grandes cidades.

Após a independência (1822), o português falado no Brasil sofreu influências de imigrantes europeus que se instalaram no centro e sul do país. Isso explica certas modalidades de pronúncia e algumas mudanças superficiais de léxico que existem entre as regiões do Brasil, que variam de acordo com o fluxo migratório que cada uma recebeu.

No século XX, a distância entre as variantes portuguesa e brasileira do português aumentou em razão dos avanços tecnológicos do período: não existindo um procedimento unificado para a incorporação de novos termos à língua, certas palavras passaram a ter formas diferentes nos dois países (comboio e trem, autocarro e ônibus, pedágio e portagem). Além disso, o individualismo e nacionalismo que caracterizam o movimento romântico do início do século intensificaram o projeto de criação de uma literatura nacional expressa na variedade brasileira da língua portuguesa, argumento retomado pelos modernistas que defendiam, em 1922, a necessidade de romper com os modelos tradicionais portugueses e privilegiar as peculiaridades do falar brasileiro. A abertura conquistada pelos modernistas consagrou literariamente a norma brasileira.

Fonte: http://www.linguaportuguesa.ufrn.br/pt_3.3.a.php

As raízes da Lusofonia


Português na História



Curiosamente, o português surgiu da mesma língua que originou a maioria dos idiomas europeus e asiáticos. Com as inúmeras migrações entre os continentes, a língua inicial existente acabou subdividida em cinco ramos: o helênico, de onde veio o idioma grego; o românico, que originou o português, o italiano, o francês e uma série de outras línguas denominadas latinas; o germânico, de onde surgiram o inglês e o alemão; e finalmente o céltico, que deu origem aos idiomas irlandês e gaélico. O ramo eslavo, que é o quinto, deu origem a outras diversas línguas atualmente faladas na Europa Oriental.

O latim era a língua oficial do antigo Império Romano e possuía duas formas: o latim clássico, que era empregado pelas pessoas cultas e pela classe dominante (poetas, filósofos, senadores, etc.), e o latim vulgar, que era a língua utilizada pelas pessoas do povo. O português originou-se do latim vulgar, que foi introduzido na península Ibérica pelos conquistadores romanos. Damos o nome de neolatinas às línguas modernas que provêm do latim vulgar. No caso da Península Ibérica, podemos citar o catalão, o castelhano e o galego-português, do qual resultou a língua portuguesa.

O domínio cultural e político dos romanos na península Ibérica impôs sua língua, que, entretanto, mesclou-se com os substratos lingüísticos lá existentes, dando origem a vários dialetos, genericamente chamados romanços (do latim romanice, que significa "falar à maneira dos romanos"). Esses dialetos foram, com o tempo, modificando-se, até constituirem novas línguas. Quando os germânicos, e posteriormente os árabes, invadiram a Península, a língua sofreu algumas modificações, porém o idioma falado pelos invasores nunca conseguiu se estabelecer totalmente.

Somente no século XI, quando os cristãos expulsaram os árabes da península, o galego-português passou a ser falado e escrito na Lusitânia, onde também surgiram dialetos originados pelo contato do árabe com o latim. O galego-português, derivado do romanço, era um falar geograficamente limitado a toda a faixa ocidental da Península, correspondendo aos atuais territórios da Galiza e de Portugal. Em meados do século XIV, evidenciaram-se os falares do sul, notadamente da região de Lisboa. Assim, as diferenças entre o galego e o português começaram a se acentuar. A consolidação de autonomia política, seguida da dilatação do império luso consagrou o português como língua oficial da nação. Enquanto isso, o galego se estabeleceu como uma língua variante do espanhol, que ainda é falada na Galícia, situada na região norte da Espanha.

As grandes navegações, a partir do século XV d.C. ampliaram os domínios de Portugal e levaram a Língua Portuguesa às novas terras da África (Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe), ilhas próximas da costa africana (Açores, Madeira), Ásia (Macau, Goa, Damão, Diu), Oceania (Timor) e América (Brasil).

A Evolução da Língua Portuguesa

Destacam-se alguns períodos:

1) Fase Proto-histórica

Compreende o período anterior ao século XII, com textos escritos em latim bárbaro (modalidade usada apenas em documentos, por esta razão também denominada de latim tabeliônico).

2) Fase do Português Arcaico

Do século XII ao século XVI, compreendendo dois períodos distintos:

a) do século XII ao XIV, com textos em galego-português;

b) do século XIV ao XVI, com a separação entre o galego e o português.

3) Fase do Português Moderno

Inicia-se a partir do século XVI, quando a língua se uniformiza, adquirindo as características do português atual. A literatura renascentista portuguesa, notadamente produzida por Camões, desempenhou papel fundamental nesse processo de uniformização. Em 1536, o padre Fernão de Oliveira publicou a primeira gramática de Língua Portuguesa, a "Grammatica de Lingoagem Portuguesa". Seu estilo baseava-se no conceito clássico de gramática, entendida como "arte de falar e escrever corretamente".

fonte: http://www.soportugues.com.br/secoes/portuguesHistoria.php

A nossa língua Portuguesa através dos tempos



QUESTÃO LINGÜÍSTICA

História da Ortografia da Língua Portuguesa - Prof. David Gonçalves Lavrado - Vice-Diretor da Faculdade Moraes Júnior

HISTÓRIA DA ORTOGRAFIA PORTUGUESA

Prof. David Gonçalves Lavrado *

A história da ortografia da língua portuguesa compreende três períodos:

- FONÉTICO, das origens medievais (século XII) até meados do século XVI;

- PSEUDO-ETIMOLÓGICO, de meados do século XVI até os primeiros anos do século XX;

- HISTÓRICO-CIENTÍFICO, de 1904, data da publicação da Ortografia Nacional de Gonçalves Viana, até nossos dias.

PERÍODO FONÉTICO

A grafia da fase arcaica da língua portuguesa representava exclusivamente os sons da fala, inexistindo a preocupação de escrever-se consoante a origem das palavras. Assim, por exemplo, escrevia-se omem, honrra, liões, etc.

Contudo, a grafia não era, por falta de sistematização, absolutamente fonética, porquanto havia palavras com mais de uma grafia, indecisões, emprego de um mesmo sinal com valores diversos: haver/aver; nõ/nom/non; hidade/idade/ydade; homem/omem/ome. O h, por exemplo, podia indicar tonicidade da vogal: he (é); a existência de hiato: sahida (sa-í-da), trahedor(traidor; o som i : sabha (sabia); e, às vezes, era usado sem função definida: hua (uma).

Conquanto não houvesse um padrão uniforme na escrita, a tendência era indiscutivelmente fonética: Escrevia-se não para a vista, mas para o ouvido.1

PERÍODO PSEUDO-ETIMOLÓGICO

Os estudos humanísticos no século XVI levaram os eruditos a procurarem sistematizar a grafia portuguesa, aproximando-a da latina.

A grafia etimológica nessa época consistia em conservar as letras de origem das palavras, mesmo que não tivessem valor fonético algum. São incorporados ao nosso léxico com aspecto gráfico do Latim não só os vocábulos novos mas também os que já possuíam formas vulgares resultantes da evolução do Latim para o Português. Assim, por exemplo, ocorreu com os vocábulos história, digno, benigno, maligno, os quais, segundo a pronúncia antiga, eram grafados estória, dino, indino, benino, malino.

Não sendo usado o método da pesquisa etimológica, por desconhecimento na época, a grafia proposta continha complicações inúteis, porquanto estava cabalmente desvinculada dos princípios de evolução do idioma. As palavras de procedência grega apresentavam, então, grafias pretensiosas: PH: philosophia, nympha; TH: theatro; RH: rheumatismo; CH (velar): chimica, technico; Y: hydrophobia, nympha. Os eruditos, influenciados pelos modelos latinos que procuravam imitar, grafavam approximar, abbade, bocca, secco etc. por ignorarem que, na evolução para a nossa língua, essas consoantes se simplificaram.

Conquanto tivesse a pretensão de ser etimológica, tal grafia estava eivada de equívocos e de formas absurdas, sem respaldo etimológico: hontem ( ad noctem>ontem); pecego (persicu>pêssego);geito (iactu>jeito); Nictheroy (grafia inconcebível uma vez que o nome locativo Niterói é de origem indígena).

O eminente filólogo e foneticista português Aniceto dos Reis Gonçalves Viana, a quem se devem as bases da simplificação ortográfica fixadas em Portugal em 1911, assim se manifestou sobre esse sistema: Estou de há muito convencido, e várias vezes o tenho dito pela imprensa, de que a denominada ortografia etimológica é uma superstição herdada, um erro científico, filho do pedantismo que na época da ressurreição dos estudos clássicos, a que se chamou Renascimento, assoberbou os deslumbrados adoradores da antigüidade clássica e das letras romanas e gregas, e pôde vingar, porque a leitura e a conseqüente instrução das classes pensadoras e dirigentes só eram possíveis a pequeno círculo de pessoas, cujos ditames se aceitavam quase sem protesto. 2

PERÍODO HISTÓRICO-CIENTÍFICO

A Lingüística em Portugal, com Adolfo Coelho, constituiu-se como ciência a partir de 1868, passando em decorrência, a ser seguros e confiáveis os resultados das investigações. O mestre Gonçalves Viana foi o primeiro a aplicar, sistematizadamente, à grafia da língua portuguesa o tratamento histórico-comparativo. Tomando por base a fonética histórica, isto é, considerando as normas a que se submeteram os sons latinos na passagem para o português (por isso o seu sistema é realmente etimológico e não aquele que, indevidamente, durante tanto tempo se utilizou desse nome), Gonçalves Viana publicou, em 1904, a sua notabilíssima Ortografia Nacional, ponto de partida de tudo quanto se fez posteriormente.

Graças à grande repercussão da obra de Gonçalves Viana, O Governo português constituiu, em 1911, uma comissão para estudar as bases da reforma ortográfica.

Em 1916, O Governo oficializava a nova ortografia, praticamente toda fundamentada nos estudos de Gonçalves Viana, e, em 1931, foi ela estendida ao Brasil por acordo firmado entre a Academia das Ciências de Lisboa e a Academia Brasileira de Letras, com aprovação de ambos os governos.

A Constituição Brasileira de 1934, todavia, determinou a volta do sistema ortográfico anterior, denominado usual ou misto.

O golpe de Estado de 1937 restabeleceu o sistema simplificado de 1931, porém lhe acrescentou novas regras sobre a acentuação gráfica, passando a divergir, a partir de então, Brasil e Portugal em matéria ortográfica.

Tornou-se necessário novo entendimento entre os dois países para a unificação ortográfica, tendo-se realizado nova convenção luso-brasileira que revigorou o Acordo de 1931. A Academia Brasileira de Letras, aceitando unanimemente, em 29/01/1942, a sugestão do então Ministro da Educação e Saúde do Brasil, aprovou, na sessão de 12 de agosto de 1943, as instruções para a organização do vocabulário ortográfico da língua portuguesa, que tiveram por base o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa da Academia das Ciências de Lisboa, edição de 1940.

Objetivando dirimir algumas divergências na interpretação de algumas regras, reuniram-se, em Lisboa, de julho a outubro de 1945, delegados das duas Academias, tendo resultado daí as Conclusões Complementares ao Acordo de 1931.

Em 1947, a Academia Brasileira de Letras publicou o Vocabulário Ortográfico Resumido da Língua Portuguesa, organizado com base no que foi deliberado pela Conferência Interamericana de Lisboa de 1945 e aprovado pelo Decreto-Lei nº 8.286 de 5/12/45.

Conseqüentemente, passou a haver, no Brasil, dualidade de sistemas, acarretando grande confusão nos espíritos, até que o Congresso Brasileiro optou pela adoção do sistema ortográfico de 1943, instituindo, em caráter obrigatório, o seu uso, conforme a Lei nº 2.623 de 21/10/1955.

Em 18 de dezembro de 1971, a Lei nº 5.765 aprova a abolição do sinal diacrítico nos seguintes casos:

1ª- do trema nos hiatos átonos (anteriormente já era facultativo: saüdar/saudar);

2ª - do acento circunflexo diferencial na letra e e na letra o da sílaba tônica das palavras homógrafas de outras em que essas vogais são abertas, à exceção do vocábulo pôde (3ª pessoa do singular do pretérito perfeito simples do indicativo) por oposição a pode (3ª pessoa do singular do presente do indicativo); cumpre esclarecer que o acento diferencial (circunflexo ou agudo, consoante o timbre da vogal tônica) continua sendo usado na letra da sílaba tônica das palavras homógrafas de outras inacentuadas: pôr (verbo) cf por (preposição); pára (3ª pessoa do singular do indicativo do verbo parar) cf para preposição; pêlo, pêlos (substantivos) pélo, pélas, péla (pessoas do singular do presente do indicativo do verbo pelar) cf pelo, pelos, pela, pelas (combinação da preposição arcaica per com o artigo definido masculino ou feminino do singular ou plural, conforme o caso) etc.

3a - do acento circunflexo ou do grave com que se assinala a sílaba subtônica dos vocábulos derivados em que figura o sufixo mente ou sufixos iniciados por z: sòmente>somente; sòzinho>sozinho; instantâneamente>instantaneamente; bebêzinho> bebezinho.

Em 1998, a Academia Brasileira de Letras lança a 2a edição do Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa enriquecido com a inclusão, de acordo com o 1º e o 2º item das Instruções do Formulário Ortográfico para a organização do VOLP do Acordo de 1943, de numerosos brasileirismos consagrados pelo uso e de estrangeirismos e neologismos de uso corrente no Brasil e necessários à língua literária.

Alguns empréstimos, a par da grafia original, já se apresentam ajustados ao que preceitua o item 12 das supraditas instruções: Todos os vocábulos devem ser escritos e acentuados graficamente de acordo com a ortoépia usual brasileira(...) Assim estão registados slide/eslaide; shampoo/xampu; ski/esqui; sheik/xeque; record/recorde; dossier/dossiê; copydesk/copidesque etc.

No caso de empréstimos com dupla grafia, deve-se preferir a vernácula.

Em 16 de dezembro de 1990, em Lisboa, foi assinado um acordo ortográfico pela Academia das Ciências de Lisboa, Academia Brasileira de Letras e delegações de Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe.

O Decreto Legislativo nº 54 de 18/4/1995, subscrito pelo presidente do Senado, acadêmico José Sarney, aprova o texto desse Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa:

Artigo 1º. É aprovado o texto do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, assinado em Lisboa, em 16 de dezembro de 1990.

Parágrafo único. São sujeitos à apreciação do Congresso Nacional quaisquer atos que impliquem revisão do referido Acordo, bem como quaisquer atos que, nos termos do artigo 49, I, da Constituição Federal, acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional.

Artigo 2º Este Decreto Legislativo entra em vigor na data de sua publicação.

Esse acordo ortográfico, porém, ainda não está em vigor na unanimidade das sete nações da comunidade lusófona (Brasil, Portugal, Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe), o que devera ter ocorrido em 1º de janeiro de 1994, porque alguns desses Estados ainda não depositaram os instrumentos de ratificação junto do Governo da República Portuguesa, como prevê o seu artigo 3º : O Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa entrará em vigor em 1º de janeiro de 1994, após depositados os instrumentos de ratificação de todos os Estados junto do Governo da República Portuguesa.

Para não confundir os usuários do idioma português, convém que comentário algum se deva fazer sobre as instruções do Anexo I desse acordo, o qual visa à elaboração de um vocabulário ortográfico comum, tão completo quanto desejável e tão normalizador quanto possível, no que se refere às terminologias científicas e técnicas.

Continuar-se-á, portanto, a escrever no Brasil de conformidade com o Sistema Ortográfico de 1943, aprovado pela Lei nº 2.623 de 21/10/1955 e modificado pela Lei nº 5.765 de 18/12/1971, e com o PVOLP editado pela Academia Brasileira de Letras em 1998.

BIBLIOGRAFIA

1. Budin, J & Elia, Sílvio - Compêndio de Língua Portuguesa e de Literatura - 1º volume - São Paulo: Companhia Editora Nacional, 7ª edição, 1960.

2. Lima, Rocha - Gramática Normativa da Língua Portuguesa - Rio de Janeiro: F. Briguiet & Cia. Editores, 3ª edição, 1959.

3. Coutinho, Ismael Lima - Pontos de Gramática Histórica - Rio de Janeiro: Livraria Acadêmica, 3ª edição, 1954.

4. Bueno, Francisco da Silveira (org.) - Dicionário Escolar da Língua Portuguesa - Rio de Janeiro: FENAME/MEC, 6ª edição, 1969.

5. Academia Brasileira de Letras - Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa - Rio de Janeiro: A Academia, 2a, edição, 1998.


* Bacharel e Licenciado em Letras Clássicas e Pedagogia. Vice-Diretor da FMJ

1 Ismael Lima Coutinho. Pontos de Gramática Histórica, pág. 68.

2 in op.cit.pág.73