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Richard Rorty
Prof. Cícero
Richard Rorty (1931-2007) desenvolveu uma marca distinta e controversa do pragmatismo que se manifestou ao longo de dois eixos principais. Um é negativo, um diagnóstico crítico do que Rorty precisou para sua definição de projetos da filosofia moderna. O outro é positivo-uma tentativa de mostrar que a cultura intelectual pode parecer, uma vez que nos libertar das metáforas que regem a mente e o conhecimento em que os problemas tradicionais da epistemologia e da metafísica (e de fato, na opinião de Rorty, o auto-conceito de filosofia moderna) estão enraizados. O ponto central da crítica de Rorty é a conta provocativa oferecida em sua obra Filosofia e o Espelho da Natureza (1979). Neste livro, e nos ensaios intimamente relacionados coletados em Consequências do Pragmatismo (1982), o principal alvo de Rorty é a idéia filosófica de conhecimento como representação, como um espelhamento mental de um mundo da mente externa. Fornecendo uma imagem contrastante da filosofia, Rorty procurou integrar e aplicar as realizações históricas de Dewey, Hegel e Darwin em uma síntese pragmática de historicismo e naturalismo. Caracterizações e ilustrações de uma cultura pós-epistemológica intelectual, presente em ambos Filosofia e o Espelho da Natureza (parte III) e Consequências do Pragmatismo (xxxvii-xliv), são mais ricamente desenvolvidas em obras posteriores, como Contingência, Ironia e Solidariedade (1989), nos ensaios e artigos populares recolhidos em Filosofia e Esperança Social (1999), e nos quatro volumes de papéis filosóficos, Objetividade, Relativismo e Verdade (1991); Ensaios sobre Heidegger e Outros (1991); Verdade e Progresso (1998); Filosofia e como Política Cultural (2007). Nesses ensaios e obras filosóficos, que vão ao longo de um território extraordinariamente de amplitude intelectual, Rorty oferece uma visão altamente integrada e multifacetada da cultura, pensamento, e da política, uma visão que fez dele um dos filósofos mais debatidos no nosso tempo, não só no seu país mais em todo o mundo.
Esboço biográfico
Richard Rorty nasceu em 04 de outubro de 1931, na cidade de Nova Iorque. Ele cresceu, como ele relata em Achieving Our Country (1998), "em meio aos reformistas e anti-comunista. A esquerda em meados do século XX" dentro de um círculo combinando anti-stalinismo com o ativismo social de esquerda. "Naquele círculo", diz-nos Rorty, "patriotismo americano, economia com justiça social, anticomunismo, e do pragmatismo deweyano foram juntos facilmente e naturalmente." Em 1946, Rorty foi para a Universidade de Chicago, a um departamento de filosofia que na época incluía Rudolph Carnap, Charles Hartshorne e Richard McKeon, os quais eram professores de Rorty. Após receber seu BA em 1949, Rorty permaneceu em Chicago para concluir um mestrado (1952) com uma tese sobre Whitehead supervisionado por Hartshorne. De 1952 a 1956 Rorty estava em Yale, onde escreveu uma dissertação intitulada "O Conceito de Potencialidade". Seu supervisor foi Paul Weiss. Após a conclusão de seu doutorado, serviu por dois anos o exército, Rorty recebeu sua primeira consulta acadêmica, no Wellesley College. Em 1961, após três anos em Wellesley, Rorty mudou-se para Universidade de Princeton, onde permaneceu até que ele foi para a Universidade da Virgínia, em 1982, como Kenan Professor de Humanidades. Rorty deixou a Universidade de Virginia em 1998, aceitando uma nomeação no Departamento de Literatura Comparada na Universidade de Stanford. No decorrer de sua carreira, Rorty recebeu vários prêmios e honrarias acadêmicas, incluindo o Guggenheim Fellowship (1973-1974) e um MacArthur Fellowship (1981-1986). Ele realizou uma série de leitorados de prestígio, dando, entre outras, as Palestras Northcliffe do University College, Londres (1986), as Conferências Clark no Trinity College, Cambridge (1987), e as Conferências Massey em Harvard (1997). Rorty morreu 08 de junho de 2007.
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Richard Rorty na visão de Jurandir Freire Costa
A publicação de ``A Filosofia e o Espelho da Natureza" (ed. Relume Dumará) é um bom momento para a discussão da obra de Richard Rorty.
O sucesso de Rorty nos meios acadêmicos e a variedade dos assuntos que aborda, seguramente dificultam uma justa apreciação de seu trabalho. Porque faz sucesso, Rorty pode ser visto como mais um teórico da moda; porque abraça temas que vão de questões técnicas de filosofia analítica à guerra na Bósnia, tende a ser avaliado pelos especialistas das disciplinas que discute como um diletante que fala muito do que conhece pouco. Os mal-entendidos são inevitáveis. Fazem parte dos riscos assumidos por Rorty, na defesa de sua concepção da tarefa do filósofo.
Penso que Rorty tornou-se um dos mais estimulantes pensadores da atualidade. No artigo autobiográfico, ``Trotsky e as Orquídeas Selvagens", ele diz como aproximou-se da filosofia, antecipando a originalidade de sua posição no cenário intelectual de hoje. Quando estudante, diz Rorty, uma pergunta o inquietava: como conciliar o bem-estar individual com o bem-estar de todos? Fez a pergunta à filosofia e não se contentou com a resposta. Notou que a maioria dos filósofos tentava resumir num só princípio explicativo as causas e as justificações do que é bom para um e para a [20] coletividade. Ocorre que nem sempre é possível unificar num mesmo sistema conceitual as causas e as justificativas de nossas crenças e nem tudo que favorece a busca de felicidade individual é compatível com o bem comum.
Existem múltiplas interpretações das causas e razões do que somos, do que queremos e de por que agimos. Todas são, por isso mesmo, contingentes, isto é, historicamente dependentes dos contextos em que são aceitas e enunciadas como verdadeiras.
O que determina a escolha de um ponto de vista sobre o sujeito e o mundo são os objetivos pragmáticos visados e não a posse de uma teoria fundada em exigências lógicas ou achados empíricos incontestáveis. Rorty redescobriu, assim, o pragmatismo filosófico da cultura norte-americana. Fez suas as máximas de William James e Wendell Holmes: onde encontrar uma contradição, faça uma redescrição, a vida, antes de ser lógica, é experimento.
As idéias de redescrição e experimento tornaram-se o centro de seu pensamento e o alvo principal dos adversários.
No termo redescrição, uns viram a ocultação ingênua ou deliberada da dominação político-econômico-cultural ou da violência das pulsões e paixões humanas. Dito de outro modo, as realidades não-linguísticas que condicionam a ação subjetiva são excluídas do neopragmatismo, em benefício de uma bem comportada ação performativa da língua.
No termo experimento, outros viram a negação da força da história da modelagem ideológica do que pode ou não ser experimentado. A criatividade individual não nasce da cabeça de Zeus; é limitada e orientada pelos interesses sociais dominantes. Rorty, diz-se, faz das mudanças históricas e pessoais um efeito de decisões voluntaristas e individualistas, apoiadas num idealismo linguístico, onde o sujeito parece narrar-se e redescrever-se num clima ameno de chá das cinco. Em suma, como disse um crítico, a moral de Rorty é boa para executivos, estetas e terapeutas.
Esta leitura é opcional. Em meu entender, Rorty nem nega a existência nem a influência das realidades não-línguísticas sobre o sujeito e suas visões de mundo. Quando recusa a idéia de que os referentes dos termos que usamos possam independer ``realisticamente" das teorias de verdade que temos, não quer dizer que o sentido das palavras ou expressões sejam puro reflexo da forma ou sintaxe gramaticais. Diz somente que empregar palavras com sentido é o mesmo que dominar as regras corretas de seus usos, no interior de uma teoria de verdade que constrói seus próprios referentes. Mas, para saber como tal ou qual teoria de verdade impôs-se na linguagem ordinária, precisamos recorrer à história ou à genealogia das crenças tidas como verdadeiras.
Neste caso, termos como ``poder", ``interesse", ``dominação", ``realidade material" etc., são indispensáveis à análise, pois verdadeiro é aquilo que nos habituaram a aceitar como verdadeiro, pela força ou pela persuasão dos costumes. Exemplificando, uma coisa é dizer que a crença na existência de realidades como ``lei do mercado", ``sexualidade", ``raça" etc., depende dos referentes casualmente associados às idéias que tornam a crença plausível; outra coisa é tentar mostrar o jogo de poder, interesses etc., que tornaram a crença não plausível mas historicamente viável. A análise linguística daquilo que nos habilita a descrever o mundo de uma forma ou de outra não exclui a análise de como fomos levados a crer na verdade de tal descrição.
Redescrição e experimento são apenas maneiras de afirmar que não podemos garantir que problemas e soluções atuais estavam prontos ou podiam ser previstos no começo dos tempos ou no passado remoto da cultura. Isto não significa desconhecer o peso do passado como causa do presente. Significa que só podemos ver a marca do passado no presente quando dispomos de uma teoria de verdade que mostra a marca como causa ou razão do que importa discutir.
Para efeitos da ação, só existem eventos sob descrição. [22] E a descrição preferida do intérprete será a mais adequada às suas convicções éticas e não a mais iluminada pela Razão. Por conseguinte, agimos eticamente porque experimentamos saídas para dilemas conforme uma dada tradição moral e não porque conhecemos o lugar onde as palavras soldam-se ao supremo Bem.
Esta opção teórica pode ou não ser admitida. Mas, se admitida, não implica necessariamente em conservadorismo político ou moral. O neopragmatismo de Rorty pode legitimar escolhas políticas distintas, desde que certos princípios éticos sejam mantidos. Dou um exemplo.
Rorty traça uma linha divisória entre o público e o privado que, a meu ver, espelha o modo de viver democrático: de um lado, as instituições liberais, encarregadas da justiça para todos; de outro lado, o incentivo à liberdade individual de experimentar novos estilos de vida, exceto os que atentem físico-moralmente contra o outro. Mas este esquema pode converter-se facilmente em um projeto conservador. Basta que as fronteiras entre o privado e o público, assim como esta própria divisão, sejam eternizadas.
Rorty, às vezes, parece deslizar nesta direção, como mostram as críticas que fez a Foucault. Ele reprova em Foucault, a pretensa indiferença social de seu modelo estético da existência. Mas, redescrito de outro ângulo, Foucault pode ser visto como o ironista liberal, elogiado por Rorty. Nada no pensamento de Foucault sugere desrespeito à dor do outro ou alheamento diante da opressão. Neste exemplo, Rorty pode ser confrontado com as premissas de seu raciocínio e contestado em suas conclusões. Ele, como Foucault, partilham o mesmo credo moral básico da cultura humanista e democrática, embora discordem radicalmente sobre os melhores meios de alcançar o fim desejado. Esta é uma consequência do neopragmatismo. O valor moral da teoria não deriva exclusivamente de seu conteúdo, mas do uso feito na prática.
Enfim, Rorty nem é a salvação nem a danação de nossos espíritos. É um pensador extraordinariamente inteligente, que nos faz pensar, às vezes, no que nunca havíamos pensado. É só e é muito. Poucos, muito poucos, foram ou chegaram até aí. Por este motivo, ``A Filosofia e o Espelho da Natureza" deve ser lido com a atenção que seu autor merece e exige.
Jornal Folha de São Paulo, Caderno MAIS!, domingo, 21 de maio de 1995, p. 5-15. Este texto também encontra-se no livro Razões públicas, emoções privadas. Rio de Janeiro: Rocco, 1999. Entre colchetes, a referência do texto originalmente no livro.
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