Eu nunca falei à toa. Sou um cabôco rocêro, Que sempre das coisa boa Eu tive um certo tempero. Não falo mal de ninguém, Mas vejo que o mundo tem Gente que não sabe amá, Não sabe fazê carinho, Não qué bem a passarinho, Não gosta dos animá. Já eu sou bem deferente. A coisa mió que eu acho É num dia munto quente Eu i me sentá debaxo De um copado juazêro, Prá escutá prazentêro Os passarinho cantá, Pois aquela poesia Tem a mesma melodia Dos anjo celestiá. Não há frauta nem piston Das banda rica e granfina Pra sê sonoroso e bom Como o galo de campina, Quando começa a cantá Com sua voz naturá, Onde a inocença se incerra, Cantando na mesma hora Que aparece a linda orora Bejando o rosto da terra. O sofreu e a patativa Com o canaro e o campina Tem canto que me cativa, Tem musga que me domina, E inda mais o sabiá, Que tem premêro lugá, É o chefe dos serestêro, Passo nenhum lhe condena, Ele é dos musgo da pena O maiô do mundo intêro. Eu escuto aquilo tudo, Com grande amô, com carinho, Mas, às vez, fico sisudo, Pruquê cronta os passarinho Tern o gavião maldito, Que, além de munto esquisito, Como iguá eu nunca vi, Esse monstro miserave É o assarsino das ave Que canta pra gente uví. Muntas vez, jogando o bote, Mais pió de que a serpente, Leva dos ninho os fiote Tão lindo e tão inocente. Eu comparo o gavião Com esses farão cristão Do instinto crué e feio, Que sem ligá gente pobre Quê fazê papé de nobre Chupando o suó alêio. As Escritura não diz, Mas diz o coração meu: Deus, o maió dos juiz, No dia que resorveu A fazê o sabiá Do mió materiá Que havia inriba do chão, O Diabo, munto inxerido, Lá num cantinho, escondido, Também fez o gavião. De todos que se conhece Aquele é o passo mais ruim É tanto que, se eu pudesse, Já tinha lhe dado fim. Aquele bicho devia Vivê preso, noite e dia, No mais escuro xadrez. Já que tô de mão na massa, Vou contá a grande arruaça Que um gavião já me fez. Quando eu era pequenino, Saí um dia a vagá Pelos mato sem destino, Cheio de vida a iscutá A mais subrime beleza Das musga da natureza E bem no pé de um serrote Achei num pé de juá Um ninho de sabiá Com dois mimoso fiote. Eu senti grande alegria, Vendo os fíote bonito. Pra mim eles parecia Dois anjinho do Infinito. Eu falo sero, não minto. Achando que aqueles pinto Era santo, era divino, Fiz do juazêro igreja E bejei, como quem bêja Dois Santo Antõi pequenino. Eu fiquei tão prazentêro Que me esqueci de armoçá, Passei quage o dia intêro Naquele pé de juá. Pois quem ama os passarinho, No dia que incronta um ninho, Somente nele magina. Tão grande a demora foi, Que mamãe (Deus lhe perdoi) Foi comigo à disciprina. Meia légua, mais ou meno, Se medisse, eu sei que dava, Dali, daquele terreno Pra paioça onde eu morava. Porém, eu não tinha medo, Ia lá sempre em segredo, Sempre. iscondido, sozinho, Temendo que argúm minino, Desses perverso e malino Mexesse nos passarinho. Eu mesmo não sei dizê O quanto eu tava contente Não me cansava de vê Aqueles dois inocente. Quanto mais dia passava, Mais bonito eles ficava, Mais maió e mais sabido, Pois não tava mais pelado, Os seus corpinho rosado Já tava tudo vestido. Mas, tudo na vida passa. Amanheceu certo dia O mundo todo sem graça, Sem graça e sem poesia. Quarqué pessoa que visse E um momento refritisse Nessa sombra de tristeza, Dava pra ficá pensando Que arguém tava malinando Nas coisa da Natureza. Na copa dos arvoredo, Passarinho não cantava. Naquele dia, bem cedo, Somente a coã mandava Sua cantiga medonha. A menhã tava tristonha Como casa de viúva, Sem prazê, sem alegria E de quando em vez, caía Um sereninho de chuva. Eu oiava pensativo Para o lado do Nascente E não sei por quá motivo O só nasceu diferente, Parece que arrependido, Detrás das nuve, escondido. E como o cabra zanôio, Botava bem treiçoêro, Por detrás dos nevoêro, Só um pedaço do ôio. Uns nevoêro cinzento Ia no espaço correndo. Tudo naquele momento Eu oiava e tava vendo, Sem alegria e sem jeito, Mas, porém, eu sastifeito, Sem com nada me importá, Saí correndo, aos pinote, E fui repará os fiote No ninho do sabiá. Cheguei com munto carinho, Mas, meu Deus! que grande agôro! Os dois véio passarinho Cantava num som de choro. Uvindo aquele grogeio, Logo no meu corpo veio Certo chamego de frio E subindo bem ligêro Pr’as gaia do juazêro, Achei o ninho vazio. Quage que eu dava um desmaio, Naquele pé de juá E lá da ponta de um gaio, Os dois véio sabiá Mostrava no triste canto Uma mistura de pranto, Num tom penoso e funéro, Parecendo mãe e pai, Na hora que o fio vai Se interrá no cimitéro. Assistindo àquela cena, Eu juro pelo Evangéio Como solucei com pena Dos dois passarinho véio E ajudando aquelas ave, Nesse ato desagradave, Chorei fora do comum: Tão grande desgosto tive, Que o meu coração sensive Omentou seus baticum. Os dois passarinho amado Tivero sorte infeliz, Pois o gavião marvado Chegou lá, fez o que quis. Os dois fiote tragou, O ninho desmantelou E lá pras banda do céu, Depois de devorá tudo, Sortava o seu grito agudo Aquele assassino incréu. E eu com o maiô respeito E com a suspiração perra, As mão posta sobre o peito E os dois juêio na terra, Com uma dó que consome, Pedi logo em santo nome Do nosso Deus Verdadêro, Que tudo ajuda e castiga: Espingarda te preciga, Gavião arruacêro! Sei que o povo da cidade Uma idéia inda não fez Do amô e da caridade De um coração camponês. Eu sinto um desgosto imenso Todo momento que penso No que fez o gavião. E em tudo o que mais me espanta É que era Semana Santa! Sexta-fêra da Paixão! Com triste rescordação Fico pra morrê de pena, Pensando na ingratidão Naquela menhã serena Daquele dia azalado, Quando eu saí animado E andei bem meia légua Pra bejá meus passarinho E incrontei vazio o ninho! Gavião fí duma égua! Patativa do Assaré |