domingo, 24 de outubro de 2010

Para ninar o Cariri e a flor do Mamulengo

Severiano Gomes*

A gente cruza a chapada quase todos os dias, vejo com certa tristeza que a música, PARA NINAR O CARIRI, de Abidoral Jamacaru, já não fala mais de araponga, orgulhosa a cantar no culme das palmeiras.
À margem da estrada, mal cuidada, acenou p’ra nós crianças esqueléticas, e riem o riso cariado e triste. E eu me pergunto se ainda vêem a zabelê.
É noite, já voltamos. A lua enorme nos espia do alto, mas a nossa realidade é uma abóboda escura, porque, porque a floresta queima, a chapada arde em chamas, De raro, aqui, ali, mais além, um guaxinim, guará, atravessa a estrada. Não mais a onça se embrenha na mata devastada. E a lua espia insistentemente. Em um tempo distante homens rudes também atravessaram a serra e roubavam os ricos e matavam, mas não numa luta desigual, em noites de folga porém cantavam uma canção diferente:

“Lua bonita
Se tu não fosse casada
Eu preparava uma escada
Ia no céu te buscar...”
Um dia também não muito distante, o homem endeusado, pisou no solo lunar e começou a destruir a terra. Um grupor bem frágil pediu que não o fizesse. E eles neco.
_ Que não matassem as baleias, nem os jacarés ou cobras...
E eles neco.
_ Que não destruíssem a Amazônia nem a Araucária ...
E eles neco.
_ Que não se proliferassem as Etiópias nem os Moçambiques...
E eles neco.
E foi por aí que o homem na sua macha destruidora, ia saqueando e matando tudo.
E nós, marionetes, coscientes ou inconscientes, retrocedemos no tempo, e buscamos o mamulengo, paixão maior, principalmente, para quem não teve nem chocolates, nem sorvetes e nem Carlitos. Horrorizados de nós mesmos, navegamos num barco furado, na busca de um futuro incerto enquanto no peito brota uma verde esperança como verde já fora o Vale do Cariri.
Comentário de um amigo nostálgico:
Por onde anda o Severiano Gomes,
este poeta preocupado com social.
Num momento em que ainda não era moda fala de ecologia já escrevia sobre o tema. Meu amigo Severiano onde andas?
De há muito
Que a vegetação da serra arde...
Nos fornos das padarias do Crato e do Juazeiro
Ou vira carvão em carvoarias.
De há muito
Que não se sabe o que seja buriti
A não ser um bairro da periferia do Crato
Onde ontem, não muito distante...
Ouvia-se o canto da araponga orgulhosa
No cume desta palmeira de nome buriti

Severiano