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A volta do latim
A impressão que se tem no Brasil é que o único contato entre o brasileiro e o latim ainda é a bandeira do Estado de Minas gerais.
Uma das pragas do verão europeu é a falta de assunto, com governos e oposições fechando para férias e nada acontecendo dentro das fronteiras nacionais, enquanto o mundo explode não muito longe daqui. Nos jornais começam as apelações tipo: a-última-moda-nas-praias, ou a-última-tendência-dos-vips. Numa dessas páginas de assunto inventado ou caçado a gritos, no diário Repubblica, de Roma, saiu ontem reportagem dedicada ao relançamento e à redescoberta do latim.
Quem estudou nas escolas italianas lembra-se ainda muito bem do rosa rosae rosae rosarum rosis como de um dos pesadelos do liceu clássico, onde se estuda ainda grego e a matemática é considerada inútil bobagem moderna. Pois Repubblica afirma que o latim está na moda, pelo menos nos países do norte europeu.
Para confirmar a tese, o repórter cita o último sucesso da band hip-hop alemã ISTA, que transformou em rap a poesia do Catulo Odi et amo, grande sucesso em Berlim. E lembra que na Finlândia existe uma rádio que transmite em latim - rádio Nuntii Latini. Para não falar de Jukka Ammondt, professor finlandês que traduziu em latim the best of - o meliora - do Elvis Presley.
Para não falar da internet. Para quem quiser gastar seu latim, existe a versão latina da Wikipedia, a mais famosa enciclopédia online: chama-se Vicipaedia libera Encyclopaedia. No site dos leilões globais E-bay, você pode comprar um curso de latim de 50 aulas organizadas por um professor inglês por 99 pence cada uma. E existe um site dedicado aos palavrões em latim: www.hyperhero.com/la/insults.htm.
Quem deve estar feliz com essa moda toda é o papa, grande latinista. Há quem diga que o sonho de Bento XVI, ou seja Iosephus Ratzinger, è abolir essa "novidade" da missa na lingua de cada país, para trazer de volta a velha missa em latim, abolida por João XXIII no Concílio Vaticano II. E quem disser que isso é coisa ultrapassada e que poucos são os fiéis que sabem latim, ele pode responder: flocci non faccio*. O secretário da Congregação para o culto divino, um dos "ministérios" mais importantes da Santa Sé, monsenhor Albert Patabendig Don, declarou, recentemente numa entrevista, que a reforma conciliar teve algumas consequências negativas, e que a igreja "precisa recuperar alguns aspectos da liturgia do passado", inclusive o missal em latim.
Na Itália dificilmente a moda latina vai pegar. O pessoal é obrigado a estudar o rosa-rosae no segundo grau, e não acha a menor graça na renascença de uma lingua morta. Muita gente (geralmente com mais de 60 anos) freqüenta as aulas de padre Reginald Foster, carmelita, que ensina latim grátis no verão romano. E alguns (poucos) estudantes não perdem os vários certames de poesia, prosa e filosofia em latim, organizados em várias cidades italianas: o mais famoso é o Certamen Ciceroniano de Arpino, cidadezinha perto de Roma.
E no Brasil? A última flor do Lácio, inculta e bela, está pronta para enfrentar uma volta às origens? Uma pesquisa rápida no Google evidencia um certo descaso. Mas é possível recuperar com um curso online, ao preço de 20 reais por lição, que descem para 15 a partir da segunda aula. Mas a impressão é que o único contato entre o brasileiro e o latim ainda é o "Libertas quae sera tamen" de Tiradentes perpetuado na bandeira de Minas Gerais, que ainda é traduzido à la Vinicius de Moraes: Libertas que serás também. E repito!
*Estou pouco ligando.
Vera Gonçalves de Araújo jornalista, nasceu no Rio, vive em Roma e trabalha para jornais brasileiros e italianos.
Fale com Vera G. de Araújo: veragdearaujo@terra.com.br
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A volta do latim
A impressão que se tem no Brasil é que o único contato entre o brasileiro e o latim ainda é a bandeira do Estado de Minas gerais.
Uma das pragas do verão europeu é a falta de assunto, com governos e oposições fechando para férias e nada acontecendo dentro das fronteiras nacionais, enquanto o mundo explode não muito longe daqui. Nos jornais começam as apelações tipo: a-última-moda-nas-praias, ou a-última-tendência-dos-vips. Numa dessas páginas de assunto inventado ou caçado a gritos, no diário Repubblica, de Roma, saiu ontem reportagem dedicada ao relançamento e à redescoberta do latim.
Quem estudou nas escolas italianas lembra-se ainda muito bem do rosa rosae rosae rosarum rosis como de um dos pesadelos do liceu clássico, onde se estuda ainda grego e a matemática é considerada inútil bobagem moderna. Pois Repubblica afirma que o latim está na moda, pelo menos nos países do norte europeu.
Para confirmar a tese, o repórter cita o último sucesso da band hip-hop alemã ISTA, que transformou em rap a poesia do Catulo Odi et amo, grande sucesso em Berlim. E lembra que na Finlândia existe uma rádio que transmite em latim - rádio Nuntii Latini. Para não falar de Jukka Ammondt, professor finlandês que traduziu em latim the best of - o meliora - do Elvis Presley.
Para não falar da internet. Para quem quiser gastar seu latim, existe a versão latina da Wikipedia, a mais famosa enciclopédia online: chama-se Vicipaedia libera Encyclopaedia. No site dos leilões globais E-bay, você pode comprar um curso de latim de 50 aulas organizadas por um professor inglês por 99 pence cada uma. E existe um site dedicado aos palavrões em latim: www.hyperhero.com/la/insults.htm.
Quem deve estar feliz com essa moda toda é o papa, grande latinista. Há quem diga que o sonho de Bento XVI, ou seja Iosephus Ratzinger, è abolir essa "novidade" da missa na lingua de cada país, para trazer de volta a velha missa em latim, abolida por João XXIII no Concílio Vaticano II. E quem disser que isso é coisa ultrapassada e que poucos são os fiéis que sabem latim, ele pode responder: flocci non faccio*. O secretário da Congregação para o culto divino, um dos "ministérios" mais importantes da Santa Sé, monsenhor Albert Patabendig Don, declarou, recentemente numa entrevista, que a reforma conciliar teve algumas consequências negativas, e que a igreja "precisa recuperar alguns aspectos da liturgia do passado", inclusive o missal em latim.
Na Itália dificilmente a moda latina vai pegar. O pessoal é obrigado a estudar o rosa-rosae no segundo grau, e não acha a menor graça na renascença de uma lingua morta. Muita gente (geralmente com mais de 60 anos) freqüenta as aulas de padre Reginald Foster, carmelita, que ensina latim grátis no verão romano. E alguns (poucos) estudantes não perdem os vários certames de poesia, prosa e filosofia em latim, organizados em várias cidades italianas: o mais famoso é o Certamen Ciceroniano de Arpino, cidadezinha perto de Roma.
E no Brasil? A última flor do Lácio, inculta e bela, está pronta para enfrentar uma volta às origens? Uma pesquisa rápida no Google evidencia um certo descaso. Mas é possível recuperar com um curso online, ao preço de 20 reais por lição, que descem para 15 a partir da segunda aula. Mas a impressão é que o único contato entre o brasileiro e o latim ainda é o "Libertas quae sera tamen" de Tiradentes perpetuado na bandeira de Minas Gerais, que ainda é traduzido à la Vinicius de Moraes: Libertas que serás também. E repito!
*Estou pouco ligando.
Vera Gonçalves de Araújo jornalista, nasceu no Rio, vive em Roma e trabalha para jornais brasileiros e italianos.
Fale com Vera G. de Araújo: veragdearaujo@terra.com.br