Sua doença, entretanto, não influenciou na maneira como a história de um elefante faz uma viagem cheia de obstáculos de Portugal à Áustria. "O que é lógico é que se esperasse encontrar no livro algum reflexo dessa situação. Pois não se encontra nenhum. “Não foi por que eu tivesse feito um esforço de autodisciplina para dizer 'aqui não entra nada do que eu vivi na minha doença', foi espontâneo e natural”, explicou o autor.
Os jornalistas da Folha de S. Paulo, cobriram José Saramago de perguntas não apenas sobre sua obra, mas também sobre política, economia e sobre seu posicionamento diante da reforma ortográfica que os países lusofônicos colocam oficialmente em vigor a partir do ano que vem. O escritor explicou como vê o assunto e acredita que o Brasil, país de maior população lusofônica, tem um papel fundamental nesse cenário. "Aquilo que me levou a mudar de idéias foi o problema da escrita. Se o português quer ganhar influência no mundo, tem de apresentar-se com uma grafia única", disse. "O Brasil tem no contexto internacional uma presença que nós [portugueses] não temos, ...
Questionado sobre a comparação entre best-sellers comerciais e autores de obras mais profundas, Saramago explicou que a evolução de seu trabalho foi longa, desde seu primeiro romance publicado em 1947 (considerado por ele próprio um livro medíocre) até o reconhecimento obtido em 1982 com o lançamento de "Memorial do Convento". "Não sou produto de marketing, nunca fui. Posso dizer que agora o marketing tenha entrado na minha vida sem que eu o tivesse procurado. Nunca projetei para mim uma carreira literária, nunca desenvolvi táticas de avanço nessa carreira. Digamos que eu estava no sítio errado no momento errado", brincou o autor.
Crítico ferrenho do capitalismo, Saramago teve a oportunidade de reiterar a sua militância comunista tomando por exemplo a atual crise financeira. "Chega-se à conclusão de que Marx nunca teve tanta razão quanto agora. Ao contrário do que tenham dito tantas vezes, o homem não morreu, veja a importância que estão a dar a esta espécie de ressurreição dos escritos de Marx. Aqueles que crêem que ele tem razão nem sequer se sentem reconfortados, pois se o que confirma as teorias e idéias do Marx é o desastre a que chegamos, valia mais que não tivéssemos chegado", concluiu.
Já sobre Barack Obama, ele o vê como um importante personagem no enfrentamento desta crise do capitalismo contemporânea, o presidente eleito estadunidense, é visto com uma esperança cautelosa pelo escritor, com certa dose de desconfiança que seu desempenho se assemelhe ao do ex-primeiro ministro inglês Tony Blair. "Sou capaz de apostar que Obama vai manter em ordem todos aqueles senhores cujos interesses têm às suas sombras. Se não for assim, é uma desilusão a mais. Quando apareceu Tony Blair, falava-se na terceira via. Mas essa terceira via não existe, era uma falsa chave que não abre nenhuma porta, como não abriu", ponderou.